domingo, 12 de agosto de 2007

Pais e Filhos


As herdeiras fizeram seu caminho
Seus pais ganharam fortunas vendendo produtos para a classe C. Elas trilharam
o caminho inverso. Conheça a história de três jovens empreendedoras que
montaram as próprias grifes e conquistaram o mercado de luxo


Por carlos sambrana

O sol escaldante elevava a temperatura na inauguração de uma nova loja de móveis e eletrodomésticos no bairro de Alcântara, no município de São Gonçalo, no Rio de Janeiro. O calor era tão forte que uma estudante de arquitetura prestes a se formar iniciou um diálogo com o dono da empresa:

– Por que o senhor não instala ar condicionado aqui?
E o proprietário respondeu com firmeza:
– Ar fresco é só pra quem já está pagando, ou seja, só no setor de crediário.

A conversa se passou há quase dez anos entre Natalie Klein, herdeira das Casas Bahia, a maior rede de varejo do País com faturamento de R$ 11,5 bilhões, e o seu pai, Michael Klein, o comandante da companhia. Por mais simples que seja, o diálogo selou o futuro da jovem. Ali, ela decidiu que não trabalharia nos negócios da família e iniciaria uma carreira solo onde poderia fazer o que bem entendesse. Dessa idéia nasceu a grife NK Store. Como Natalie, outras jovens bem nascidas trilharam o mesmo caminho. Ana Luiza Trajano, herdeira do Magazine Luiza, outra rede de varejo com faturamento estimado em R$ 2 bilhões, não quis saber dos negócios da família: montou o requintado restaurante Brasil a Gosto, no bairro dos Jardins, região nobre de São Paulo. Juliana Santos é outra herdeira que faz parte desse time. Herdeira do Grupo João Santos, um conglomerado nordestino que tem negócios na área de cimento, celulose e comunicações, ela comanda a Dona Santa, uma espécie de Daslu do Nordeste, em Recife. Se os pais trabalham com a camada popular, as três herdeiras empreenderam em busca do topo da pirâmide. Detalhe: conquistaram seu espaço no mercado.

Parte desse movimento tem uma explicação baseada em estudos sociológicos. Consultores de sucessão familiar afirmam que o preconceito no mundo corporativo, de certa forma, beneficiou as mulheres. Isso porque mesmo com o avanço do sexo feminino no mundo dos negócios, dentro das empresas familiares há uma preferência pelos homens. “Para as filhas é permitido pensar em outras opções que não sejam trabalhar na empresa da família”, diz Renato Bernhoeft, presidente da Bernhoeft Consultoria Societária e autor do livro “As Herdeiras – Lutas e Conquistas”. A professora Elismar Álvares, da Fundação Dom Cabral, vai além: “O preconceito acontece porque a presença das mulheres em altos cargos é muito recente, tanto no Brasil como no exterior”. Mas isso é questão de tempo pois elas têm mostrado que não estão de brincadeira.

A NK Store, a empresa de Natalie, por exemplo, é referência no mundo da moda. Além de vender grifes como Marc Jacobs, Stella McCartney e Diesel, ela acumulou prestígio com as suas marcas próprias, a NK para o mercado interno e a Talie, criada para ser exportada. “A NK Store vende o que chamamos do luxo acessível”, diz Carlos Ferreirinha, diretor da MCF Fashion, consultoria especializada no segmento de luxo. “É desprovida de ostentação e sempre está com as marcas do momento”. Essa fórmula rendeu-lhe, de acordo com estimativas de mercado, um crescimento de 35% e faturamento de R$ 50 milhões em 2005. É a prova, em números e estatísticas, de que há sucesso fora das barras do pai, ou da mãe, como acontece com Ana Luiza Trajano, filha de Luiza Helena Trajano, a comandante do Magazine Luiza. Formada em administração de empresas, a jovem de 27 anos, abriu no início do ano um charmoso restaurante de comida brasileira. O Brasil a Gosto, o nome do lugar, é o resultado da paixão de Ana Luiza pela culinária. A mãe respeita o caminho escolhido pela filha e aplaude os resultados. Desde a inauguração, o restaurante com espaço para 80 pessoas acumula 100% de ocupação. “Nasci no mundo dos negócios”, diz Ana Luiza referindo-se ao DNA do varejo que ela carrega no sangue. “Agora estou construindo uma nova história”.

Se construir é o que norteia essas jovens empreendedoras, não há ninguém melhor do que Juliana Santos, de 28 anos, para falar sobre o assunto. A neta do lendário João Santos, dono do Grupo João Santos, o segundo maior produtor de cimento do Brasil com faturamento superior a R$ 1 bilhão, ergueu, ao lado da mãe Lília, a Meca do luxo no Nordeste. A Dona Santa, uma espécie de Daslu do agreste pousada em Recife, com faturamento estimado em R$ 35 milhões, é vista como um pólo do bem viver na região. Com 1,7 mil m², ela dispõe das principais grifes internacionais como Ermenegildo Zegna, Hugo Boss, Prada e outros rótulos celebrados. “A loja tem tanta qualidade que poderia estar em qualquer lugar do mundo”, diz o consultor Ferreirinha. Resultado? “Os nordestinos pararam de ir à São Paulo para comprar roupas”, diz Juliana.

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